Entrevista com Expert - Fernando Schiavetto
- Jun 24, 2021
Conversamos com o prof. Fernando Schiavetto*, brasileiro que mora há 5 anos na região de Como, na Itália, sobre as principais diferenças entre os modelos de tributação brasileiro e italiano. Confiram na entrevista abaixo!
Quais são as dificuldades enfrentadas na Tributação Italiana?
Na Itália ou em qualquer lugar do mundo as dificuldades são as mesmas. Se olharmos para as dificuldades dos empresários no Brasil e compararmos com as dificuldades dos italianos veremos que são praticamente idênticas. O importante é ressaltar que, para muitos isso pode ser estranho, mas no Brasil temos muito mais informações e agilidade que aqui na Itália, que é “travada” por uma burocracia inconcebível nos dias de hoje, o que atrapalha e dificulta a vida de qualquer empreendedor.
Às vezes tenho a impressão que esta burocracia é uma espécie de “orgulho nacional” que inibe o investimento. Não existe um consenso, cada caso é um caso, é algo que não se espera ver em um país que faz parte do G7, mas é a realidade e por esta razão é que não me atrevo (ao menos por enquanto) em abrir uma empresa por aqui.
O que o imigrante precisa para abrir uma empresa e estar dentro das leis italianas?
Primeiro ele tem que se adequar às regras migratórias, ou seja, possuir a cidadania italiana ou de qualquer país da comunidade europeia. Caso não tenha descendência para que isso seja possível, ele deverá solicitar o “permesso di soggiorno” que é uma permissão de residência. Sem residência registrada no Comune, que é uma espécie de prefeitura, não é possível sua legalização.
Dessa forma, o imigrante deverá ter um contrato de aluguel, comprovar que veio com recursos para empreender e acima de tudo possuir condições econômicas e financeiras para se manter no país. Essa permissão na maioria dos casos tem uma duração de três meses, o interessado deve renová-la na Questura (delegacia de polícia) e caso não consiga é convidado a deixar o país.
Fora isso, mas é um tema que não existe um consenso, dependendo do que você for fazer só poderá ser legalizado após dois anos de trabalho comprovado. Algo como uma cabeleireira que somente pode abrir seu próprio salão após trabalhar dois anos como funcionária. É incrível, pois parece que as suas habilidades e práticas desenvolvidas no Brasil de nada servem aqui, mas sobre isso também não existe um consenso.
Cada estado ou região da Itália possui a própria maneira de cobrar impostos ou é um mesmo imposto no país inteiro?
A Itália é um país republicano parlamentarista que tem seus destinos definidos pelo governo central de Roma. O primeiro Ministro e o conselho de ministros (formados da união de partidos que formam a maioria) guiam as regiões (Estados), assim como as regiões guiam os Comunes (municípios).
Existem as regiões autônomas que possuem suas próprias regras, como Valle d’Osta, Bozano, República de San Marino entre outras. O que pode existir são algumas pequenas diferenças entre eles, mas em regra geral são iguais, pois temos impostos e taxas Federais, Estaduais e Municipais.
Em relação ao Brasil, é mais tranquilo ou difícil para o imigrante abrir uma empresa na Itália?
Na Itália é infinitamente mais difícil - no meu ponto de vista, é claro. É difícil obter a cidadania (não impossível) ou a autorização de residência. No caso da cidadania, a constituição italiana garante aos descendentes a obtenção do “passaporte da UE". Isso porque o que vale é o “Iure Sanguinis” - exemplo: caso um casal emigrado do Brasil que não seja descendente de europeus tenha um filho na Itália, esta criança não é reconhecida como italiana, diferente dos países que se baseiam no “Iure Soli” como Brasil, Canadá e EUA.
Isso somente para reforçar que viver legalmente é difícil, mas não impossível e, ultrapassar esta barreira acaba desestimulando o empreendedorismo por aqui. Importante lembrar que a Itália é um país conservador e nacionalista (do ponto de vista relação a produtos). Aqui as empresas são passadas de pais para filhos e não é incomum encontrarmos empresas que já estão na quinta ou sexta geração.
Somente para melhor esclarecer a parte tributária em uma parte mais elementar possível, cito alguns impostos:
- IRAP que incide sobre os resultados;
- IRES que incide sobre os resultados;
- IVA que funciona como o ICMS com uma alíquota de 22%;
- Studio di Settore – Estudo do setor. Por mais incrível que possa parecer, existe uma prática que dependendo do setor que você pretende atuar, mesmo que não haja faturamento, você é obrigado a pagar os impostos por estimativa e projeção feita neste estudo - ou seja, não é variável, é fixo. Segundo este estudo, não faz sentido ter uma empresa que não gera lucro, logo, ou você sonega ou sabe-se lá o que pensam, é bem diferente do Brasil;
- Operazione Intracomunitária ou operação entre as nações que fazem parte do bloco UE: Neste caso a empresa não recolhe IVA como forma de estimular as exportações;
- Plafond IVA Esportadore abituale ou Incentivo IVA para Exportadores Habituais - funciona como um “DrawBack” que é mais ou menos assim: Como a empresa exporta habitualmente um valor “x” ao mês e ela compra no mercado interno, a conta crédito IVA cresce, já que não existe cobrança na venda. Dessa forma, após um minucioso estudo (lembrando da burocracia) constata-se que a empresa possui uma média de 500.000 mil euros de crédito ao mês. Com isso, ela passa a comprar de seus pares, devidamente identificados e fiscalizados, sem a adição dos 22% de IVA até alcançar o valor teto, ou seja, 500.000 mil euros. Logicamente o que ultrapassar o IVA teto é devido e deverá ser incorporado à cobrança;
- Crédito Ricerca R&D que é um incentivo ao desenvolvimento de produtos e serviços que o governo coloca à disposição das empresas.
Já a parte social encargos sobre folha são muito semelhantes.
Como é a burocracia e fiscalização de impostos na Itália?
Burocracia já descrevi anteriormente, em quase cinco anos ainda não sei ao certo em qual saco plástico coloco o lixo reciclável. Incrível não? Mas é assim.
A fiscalização é feita pela Guardia di Finanza, algo equivalente à Polícia Federal brasileira que não para de trabalhar e possui uma eficácia de média para boa. Como no Brasil, a sonegação aqui é muito grande, tanto que a partir de 2022 entrará em vigor uma limitação para saques em espécie, pois muita coisa é paga em “nero”, ou nosso famoso “PF” (por fora), desde o cafezinho até quem nos serve.
O italiano tem por hábito consumir online? Você acha um bom negócio para empresas brasileiras investirem em e-commerce na Itália?
Não, o italiano não possui este hábito e não gosta de compras on-line. Durante a pandemia os mercados inovaram e investiram nas compras por este modelo e os locais continuaram cheios.
O italiano tem a necessidade de tocar, ver, analisar e até experimentar o produto. Ele valoriza as marcas italianas que são tradicionais e que lutam para não saírem deste modelo de convívio social. Vale ressaltar que a Itália é um dos países que a idade média dos habitantes é uma das mais altas na Europa, sendo assim falamos em comportamento e isso faz todo sentido de que a onda do consumo on-line passará.
Isso não quer dizer que não existe espaço, claro que muitos segmentos poderão se beneficiar deste “novo” modelo que surgiu na restrição circulatória, mas é preciso muita pesquisa e definir o público-alvo e nicho que queiram atuar e se preparar para entrar em campo contra gigantes do setor.
Com a provável retomada das economias italiana e brasileira, acredita que haverá o aumento da realização de negócios entre empresas dos dois países?
É difícil prever, porque o ritmo de crescimento não segue o mesmo compasso. Por ser membro formador da União Europeia, a Itália goza de alguns benefícios de fundos administrados pelo Banco Central Europeu que dá a ela vantagens, fôlego e impulso necessários para que a economia rode em uma velocidade muito maior. O estímulo à economia por aqui, pós pandemia, é infinitamente maior em comparação ao Plano Marshall.
O Brasil se destaca pelo comércio de commodities, já a Itália é o país do design e do turismo. Segundo o Fazcomex, a Itália ocupa a 13ª posição quando falamos em exportação e ao comparar com as importações tivemos um déficit de 892,14 Milhões em 2019, uma queda de 11% em relação ao ano anterior.
Os produtos mais comercializados, em ordem, foram:
- Celulose;
- Café;
- Couro;
- Minério de Ferro;
- Semi Manufaturados;
- Carne Bovina;
- Produtos Manufaturados;
- Farelos;
- Semimanufaturados Ferro e Aço;
- Soja.
Isso nos dá uma dimensão das diferenças entre estes dois países.
Quando falamos de importação, a Itália figura no 10° posto em 2019 com um total de 4.041,4 bilhões.
Por estes dados não vejo um quadro muito promissor, o que vejo no dia a dia são pequenos negócios comercializando produtos brasileiros para as comunidades de brasileiros e latinos residentes espalhadas pelo país.
*Professor Fernando Schiavetto - Formado em Administração de Empresas pela Universidade de Marília, com especialização em Administração Hospitalar pela Universidade de Ribeirão Preto, Didática de Ensino Superior pela Universidade Nove de Julho, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Álvares Penteado FECAP e Especializado em Ensino a Distância EaD pela Universidade Nove de Julho. Mais de 30 anos de experiência na área de saúde como gerente, diretor das principais empresas do setor, como consultor/instrutor/mentor, responsável pelo curso de Administração de consultórios do CETAO Centro de Estudos Treinamento e Aperfeiçoamento em Odontologia e professor universitário nas áreas de Administração, Finanças, Estratégia, Custos e Contabilidade.